quarta-feira, 13 de agosto de 2008

FESTA DE ANIVERSÁRIO

“Seu maquinista é favor parar o trem que hoje é aniversário de quem muito eu quero bem. Ai como é bom se festejar, aniversário no arraiá, ai como é bom se festejar aniversário no arraiá” era assim que era acordado todo dia 11 de agosto até meus 30 anos. Durante a maior parte da minha vida este cântico significava que teria uma deliciosa galinha no almoço e o carinho de todo dia.
É engraçado que no mundo de consumo em que vivo hoje parece impossível uma criança ser feliz, tornar-se um adolescente tranqüilo e um adulto sem maiores frustrações. Nada de presentes caros, aliás, presente mesmo tenho muito pouca lembrança. Mas sem saudosismo gratuito e fruto da falta de reflexão, gostaria de afirmar que se me fosse dado o direito de voltar e renascer, gostaria de renascer lá, na Itinga da Serra, na casa de Seu Fernando, homem simples, manso e bem humorado e de Dona Eliete mulher guerreira, carinhosa e cheia de fé.
Neste 11 de agosto sem ter quem cantasse a música do maquinista, minha mente e meu coração cansados dos presentes, das falsas falas de feliz aniversário recorreu ao bolso da alma e de lá retirou esta canção quase esquecida e o meu espírito se alegrou, se renovou, me lembrei do gosto da galinha, dos beijos não fingidos, dos afagos paterno e materno, das brincadeiras de criança com meus irmãos e amigos, me lembrei de onde vim e de quem eu sou. Me senti gente com história. Desejei reencontrar pessoas queridas, redescobri sonhos empoeirados, votos esquecidos. Brinquei com cada ano já vivido como se fosse bola de gude, peguei cada um, poli, dei um brilho especial. Em cada um deles encontrei ranhuras, sinal de que foram usados, de que brinquei com eles. Nem pensei em quantos anos ainda tenho, mas quantos já vivi e de como foram bons e os desejei reencontrá-los.
Creio que também é pra isso que serve a festa de aniversário, relembrar, reviver, tirar lições que nos ajudem a tocar a vida de maneira mais digna, de nos humanizar, de nos fazer recobrar a consciência. Hoje tudo isso aconteceu por causa da velha cantiga que relembrei.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

TENHO SEDE

Os futurólogos são unânimes em afirmar que num futuro próximo o bem mais precioso e a razão das guerras será a água. O que hoje se anuncia para o futuro da humanidade já tem sido a experiência de alguns povos por milênios. A música nordestina fala da sede do homem sofrido do sertão: “me dê um copo d’água eu tenho sede e essa sede pode me matar”.
Este fenômeno serviu para ilustrar a vida de alguém quando perde o sentido, perde o vigor, quando a abundância de vida já não existe. O próprio Jesus afirmou “eu sou a água viva quem beber de mim não terá sede ... aquele que beber da água que eu lhe der jamais terá sede de novo”, numa afirmação clara de sua disposição de se dar para amenizar a dor, o sofrimento e trazer algum prazer à existência humana.
Mas estremeço quando continuo pesquisando este tema na bíblia sagrada dos cristãos e me deparo com a situação em que o próprio Cristo agora é quem tem sede, logo Ele que há tantos saciou, trouxe esperança, o sentido do viver, agora está ali, numa pesada cruz, desidratado e clamando: “TENHO SEDE”. A minha alma nordestina me afirma que nem ao inimigo se nega um copo d’água, ainda mais alguém como ele, NOSSO SENHOR. Me estremeço porque o relato seguinte diz que um homem lhe oferece em lugar de água, vinagre.
Este relato pode ser uma parábola das nossas relações inter-pessoais. O Cristo não foi o único a dar o frescor revigorante da água e receber em troca a acidez mortífera do vinagre. Muitas vezes nas nossas relações mais íntimas experimentamos essa triste realidade. Quando mais precisamos de gratidão, de amor, de tratamento igual, mais experimentamos a violência daqueles que agora detêm o poder.
Quantas vezes também nós bradamos: TENHO SEDE e vemos se aproximar alguém que parece ter ouvido o nosso grito desesperado e leva a sua esponja aos nossos lábios e então sentimos o cheiro e o gosto ácido que não sacia, que causa repugnância.
Mas desde criança ouvi: “Cada um dá o que tem”. O Cristo só podia saciar, revigorar, refrescar a vida, era isso que jorrava do seu interior, fazia parte da sua natureza. Ele jamais foi reativo, seu agir não era condicionado pela ação do outro. Mesmo quando era ofendido, massacrado, continuava a ser quem era. O soldado romano só conhecia a dor, o agredir, o massacrar, o fazer sofrer, o reagir com força mortífera, o dominar, o destruir, fazia parte da sua natureza, era isso que jorrava do seu interior, vinagre.
Há pessoas que são assim. Seu interior é podre, ácido, fétido, mesmo quando têm uma boa religião. Há pessoas que não importa o que recebam, estão sempre prontas para derramar o seu vinagre que mata, mesmo àqueles que lhe deram a vida, que foram socorro bem presente na hora da angústia. Seus atos aparentemente generosos de aproximarem-se dos sofridos com a esponja encharcada, na verdade são atos sádicos, são uma expressão da sua alma azeda.
Pior que a escassez de água no futuro, que provocará guerras sangrentas, tem sido a escassez de “água” no espírito humano que faz com que as relações estejam destilando o vinagre que mata hoje.
Roberto Amorim

VERGONHA E DESESPERANÇA

Este é um texto do Pr. Carlos Novaes e que certamente tem um cunho profético (denúncia e advertência), espero que sejamos capazes de ouvir a voz de Deus e quem sabe corrigir os nossos próprios rumos.

Se quiserem chamar de sentimentalismo nostálgico, sintam-se à vontade, mas hoje tenho orgulho apenas do nosso passado. Apraz-me saber que a origem dos batistas vincula-se às lutas em defesa da autonomia e da competência do indivíduo, do batismo voluntário, da eclesiologia congregacional, da liberdade religiosa e da separação entre Igreja e Estado - lutas que ajudaram a construir os ideais de modernidade e democracia dos nossos dias.
Orgulho-me dos batistas de antigamente que protagonizaram eficazes campanhas de evangelização e avivamento nos locais onde se instalavam, revolucionaram os conceitos missiológicos (a ponto de encontrarmos no planejamento estratégico de William Carey, para sua atuação na Índia, os princípios essenciais que hoje direcionam as ações missionárias modernas), marcaram a arte e a literatura (a exemplo da obra O Peregrino, de John Bunyan, considerado um clássico mundial), enriqueceram a música e a liturgia dos cultos (como no caso de hinários que se tornaram referências entre as diversas denominações), mantêm programas em defesa dos direitos humanos nos países onde há perseguição política e religiosa (basta lembrar a firme atuação da Aliança Batista Mundial nesta área) e outras contribuições similares para a sociedade contemporânea.
Sinto orgulho das empreitadas missionárias pioneiras de Eurico Nelson e Salomão Ginsburg. Orgulho do Maracanã repleto de batistas do mundo inteiro. Orgulho de Diretriz Evangélica, movimento de engajamento sócio-político nos tempos da repressão militar. Orgulho da literatura doutrinário-teológica publicada pela antiga Junta de Educação Religiosa. Orgulho de Rubens Lopes à frente da Campanha Nacional de Evangelização, de David Malta na reitoria do Seminário do Sul e da respeitabilidade de homens da estirpe de Reis Pereira, David Gomes, João Fílson Soren, Himaim Lacerda, Antônio Neves de Mesquita, Bem Oliver, Éber Vasconcelos, Falcão Sobrinho, entre outros, tantos outros.
Tenho orgulho, entretanto, apenas do passado. Confesso que, voltando os olhos para o presente e, em especial, para a Convenção Batista Carioca, à luz da atual e indisfarçável mediocridade reinante, carrego comigo tão-somente a vergonha e a desesperança. Tenho vergonha de ver minha igreja participando de uma Convenção com esta face desfigurada. Vergonha de tentar justificar, diante da congregação que pastoreio, a nossa cada vez mais injustificável cooperação financeira. Tenho vergonha de ver alguns quadros e instituições denominacionais tomados por aqueles que possuem o único e despudorado objetivo de obter benefícios pessoais. Tenho vergonha de saber que não poucos, para permanecer no poder às custas do sacrifício de princípios éticos e de valores bíblicos, prestam-se a manipular e manobrar pessoas e situações. Tenho vergonha de ver que, motivados por rancores ímpios e desejos mesquinhos de vingança, quando não pelo inescrupuloso empenho em constranger, intimidar e ameaçar, recorrem a instâncias judiciais seculares e, o que é pior e mais desalentador, acham-se cobertos de razões - as falsas razões que brotam de insanas irracionalidades. Tenho vergonha de participar das reuniões do conselho administrativo e das assembléias convencionais, onde - numa patética passarela de encenações e dissimulações - desfilam a mentira, a ironia, a desfaçatez, a astúcia da serpente, a hipocrisia dos fariseus e a violência dos gananciosos. Tenho vergonha de uma denominação que, apesar de estar inserida numa sociedade com graves crises e problemas complexos, aos quais deveria responder com marcantes ações de influência ética, prefere dar amplo espaço a disputas mesquinhas, à estúpida chama da fogueira das vaidades, à repartição implacável dos seus despojos, optando por rodear em torno do seu próprio umbigo, enclausurar- se em seu próprio casulo e tornar-se assim inútil porque fútil, tão fútil e inútil quanto estruturas outras que o tempo fez o favor histórico de enfraquecer, desmontar e extinguir. Tenho vergonha da nossa presença na educação secular, longe, muito longe dos propósitos originais, servindo hoje tão-somente de motivo para discórdias e divisões, causando prejuízos aos cofres denominacionais e atendendo interesses menos nobres, sem conseguir comprovar alguma excelência educacional, sem influenciar de modo evidente os setores acadêmicos e sem qualquer contribuição intelectual notória para a comunidade científica. A meu ver, colégios convencionais em tais condições deveriam ser fechados, desocupados e vendidos, para que as igrejas possam preocupar-se, de fato, com sua missão precípua de evangelizar e testemunhar, livres de empecilhos morais que desacreditam a pregação. Tenho vergonha ao descobrir que a Convenção Carioca nada mais tem a dizer à sociedade atual, não só porque seus discursos estão completamente desvinculados das práticas, não apenas porque, normalmente, inteligência e denominação não caminham de mãos dadas, mas especialmente porque está vazia, ficou oca, reveste-se de uma lamentável mediocridade, tornou-se uma figueira seca - que só serve para ser cortada e queimada - e sal sem sabor - que não serve senão para ser pisado. E como tem sido pisada, e como tem sido desprezada a nossa pobre, a nossa paupérrima Convenção por quem passa com a mínima capacidade de reflexão e discernimento.
Mas não é só vergonha o que sinto - antes fosse. É desesperança. Não soubemos administrar a herança que recebemos. Não somos dignos da nossa história. Não merecemos o nome que temos. E não vejo horizonte adiante. As igrejas até que vão bem - crescem de modo razoável, contribuindo de alguma forma para o testemunho cristão na sociedade. Mas a estrutura denominacional faliu. O modelo esgotou-se. Tornou-se um câncer de tumores fétidos e irreversíveis. É odre velho - como referiu-se Jesus às antigas instituições farisaicas - e não adianta querer enchê-lo com vinho novo. Qualquer mediano conhecedor das Escrituras entende que Cristo não fundou qualquer igreja institucional (católica, anglicana, luterana, seja qual for). Cristo fundou um conceito de igreja. São corpo de Cristo as igrejas que permanecem leais a esse conceito. As demais, não passam de ajuntamentos religiosos. As denominações também não foram criadas pelo Senhor: nascem como fatos sociais resultantes de determinados contextos históricos. Em suas posturas e ações, podem expressar ou não os valores do Reino. De modo geral, não expressam. Como aconteceu a outras tantas denominações ao longo desses vinte séculos de cristianismo, os batistas surgiram, cresceram e agora, em muitos países, vemos sinais claros do seu melancólico ocaso. A Convenção Carioca é um exemplo.
Restam-nos a nostalgia e o lamento. Parece que, cansado, Deus abandonou-nos à mercê das nossas próprias inconseqüências. Afinal, não somos os únicos a quem Ele pode usar para a expansão do seu Reino. Há quem, com certeza, seja mais útil e fiel aos seus propósitos. Bem-vindos, irmãos e irmãs batistas cariocas, ao nosso particularíssimo cativeiro babilônico.
Pr. Carlos Novaes