sexta-feira, 19 de agosto de 2011

EU TENHO UM SONHO

No filme enrolados, Rapunzel impede que seu guia seja entregue para ser executado, despertando nas pessoas mais vis, seus sonhos esquecidos. Os sonhos transformam covardes em heróis, meninos em guerreiros. Sonhos são pra sempre.  A história está repleta de casos de pessoas que foram assassinadas mas seus sonhos continuaram vivos. Mataram Luther King, não o seu sonho. Mataram John Lennon, não seu sonho.  Ao matarem o Senhor da vida, não destruíram seus ideais, que continuaram e continuam bem vivos na vida dos seus seguidores.
A maior tragédia da vida se dá quando alguém sepulta seus sonhos.  O assassino dos sonhos usa diferentes armas, mas a mais comum é A REALIDADE.  Nada é mais palpável que ela, não é mais incontestável que ela.  Diante da realidade todos se curvam, todos os argumentos cessam, afinal, contra fatos, não há argumentos.  Ao sonhador resta se conformar.  Muitos terminam a sua história aqui, lançados na cisterna seca, na caravana de mercadores, como escravos na casa de Potifar ou na masmorra do palácio.
Mas sonho é como gato, tem sete vidas.  O sonhador é irritante, insistente, não desiste.  Mesmo contra fatos, mesmo contra o impossível, ele continua acreditando.  Como diria o artista francês Jean Cocteau: “não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”.  Como os renegados do filme enrolados, muitos tem aberto mão dos sonhos por conta da dura realidade, são verdadeiros sepulcros de sonhos.  Mas os sonhos estão ali prontos para serem ressuscitados.
Os seus inimigos nada podem fazer contra seus sonhos, podem até intentar mal contra, mas o Senhor transforma mal em bem, se não abrimos mão dos sonhos que Ele plantou em nossos corações.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

INIMIGOS GRATUITOS

Ao longo da vida vamos garimpando relacionamentos.  Não é apenas nas redes sociais, acreditem, mas na vida real também é assim.  Somos garimpeiros de relacionamentos.  Por nossa bateia (instrumento utilizado pelo garimpeiro para separar ouro de outros materiais) passam todos, alguns não ficam, mas o amigo permanece ali, bem no fundo, “no lado esquerdo do peito, dentro do coração”, trazendo alegria a nossa alma.
Mas se somos surpreendidos pela vida com pessoas tão generosas e como não existe bom perfeito, muitas vezes ao longo da vida somos atingidos pelos inimigos gratuitos. Aquelas pessoas que sem razão aparente, decidiram nos odiar e mais, decidiram infernizar a nossa vida e não se aquietarão enquanto não tiverem nos atingido na alma.  Há um caso bíblico de Mardoqueu,  homem bom, leal e sincero, mas que por conta dessas qualidades atraiu a inimizade e o ódio de Hamã.
Hamã fizera de Mardoqueu seu desafeto e aquele sobre quem derramaria todo o seu furor.  Chega ao ponto de colocar a sua felicidade na dependência da infelicidade do seu inimigo gratuito.  Um dia após receber todas as honras no palácio real diz que não pode ser feliz, enquanto seu inimigo não for destruído (Ester 5:13). Por que todo este ódio?  Nada, Mardoqueu não lhe fizera nada.  Só não estava “rezando por sua cartilha” (Ester 3:5,6).
Os inimigos são um fato. Não é possível obrigar alguém a gostar de nós, portanto é preciso aprender a conviver com eles.  A primeira coisa que precisamos saber é que nossa felicidade e realização não dependem deles (Ester 10:3).  A segunda, e não menos importante, é que não precisamos nos tornar como eles, a maior vitória dos nossos inimigos seria nos fazer tão odiosos quanto eles.  Ao ser traído por Judas, Jesus o recebeu dizendo: “qual a razão da sua visita, meu amigo?” Em outras palavras Jesus disse: Judas você me elegeu como seu inimigo, mas eu continuo a amá-lo, meu amigo.  A maior vitória sobre o ódio dos inimigos é a disposição de continuar amando-os, apesar de tudo.  

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Loucura

Além do limite da minha rua morava um louco, apelidado de “Zé Doido”, um homem forte, surgido não se sabe de onde, e pelas conversas dele, pelas parcas lembranças que pareciam lhe atormentar, fazia todos acreditarem que teria sido maquinista (condutor de trem). Certa vez, inocente como convém a uma criança, quase degustei com ele seu almoço. Isso me fez lembrar a cena de Auto da Compadecida quando a cachorra tão acostumada aos mimos da sua dona e experimenta a comida dos pobres, acaba morrendo. Creio que seria este o meu fim, se tivesse realizado a minha vontade naquele dia. Mas jamais se pode atribuir ao “Zé” qualquer ato de violência, senão quando se sentia agredido ou ameaçado.
Há outros nomes e rostos de outros “loucos” que vieram me visitar nesta tarde quente do verão baiano. Zé Eufrásio, dizem que enlouqueceu de amor, uma desilusão amorosa fez com que o outrora policial, agora vagasse pelas ruas como quem passa sempre por uma rua diferente, embora fossem as mesmas e poucas ruas da pequena Itinga da Serra. Tem a Zefinha e suas histórias da Rua do Carvão, chamando a todas as mulheres de “Iaiá”. Pobre Zefinha embora tão amável e querida por todos acabou assassinada por dois jovens, com requintes de crueldade.
Mas dos “doidos” da minha infância o mais intrigante sempre foi o “João da Cruz” e sua obsessão por trocar as coisas de lugar. Lá estava a Igreja Matriz, do Sagrado Coração de Jesus, instalada bem no centro da praça, mas eis que João da Cruz erguia sua voz e declarava: “Aquela igreja tinha que estar acolá, aquela escola tinha que estar ali” e pronto, os monumentos, as casas, as ruas, as praças como que num passe de mágica, mudavam de lugar. Passava os dias exercendo o seu oficio de engenheiro de obras prontas. Nada parecia ter sido construído ou colocado no lugar certo, ele tinha sempre uma modificação a fazer. Parecia dizer a todos que fosse ele o arquiteto e teria feito as coisas em lugares distintos daqueles em que foram construídos. Não se sabe ao certo porque razões, se estéticas, se práticas ou por mera preferência pessoal, mas fato era que não estavam no lugar certo, ao menos aos olhos de João da Cruz. Pobre João vagou insatisfeito pela vida reclamando, sem perceber a beleza das manhãs acinzentadas de inverno ao pé da serra, a beleza do pôr-do-sol alaranjado no horizonte e o céu todo estrelado nas noites quentes do sertão. Mas também pode-se dizer, rico João, compreendeu como ninguém que a vida é assim mesmo, inacabada, e que é preciso às vezes mudar e quando esta mudança não acontece lá fora, ao menos aqui dentro ela se dá.
Talvez o João da Cruz tenha lido Freud, talvez tivesse ainda com ele conversas ao pé do ouvido. Talvez tenha descoberto psicanaliticamente que a cura está na fala, que a fala põe de novo a casa em ordem, não a igreja, não a escola, mas põe em ordem a desordem interior. Talvez o João estivesse tentando organizar a sua vida, o seu mundo cão, caótico, trazendo alguma beleza e esperança onde só havia dor e destruição. Talvez o João tivesse ouvido Jesus e entendido que palavra desfaz o mal, desaloja o maligno e cria novos mundos. Talvez tenha resignificado o “sai dele” e quando dizia à igreja ou à escola: “saia daí”, estava se referindo à legião que nele se instalara e que o atormentava noite e dia. Na esperança que um dia, ainda que longínquo, seria ouvido e poderia quem sabe ainda que por uma única vez ter o seu desejo satisfeito e cada coisa no seu devido lugar.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Meus Medos

Gosto de desenho animado. O gosto vem dos tempos onde cinema ainda não existia na minha vida, tempo em que as histórias eram contadas e os personagens ganhavam vida em minha imaginação. Sempre gostei das histórias infantis. Uma das que mais gosto/desgosto é a de João e Maria, perdidos na floresta por conta da idéia terrível da sua mãe. Me faz tremer o choro amedrontado de Maria na floresta escura. Enquanto relembro estas coisas me dou conta dos meus próprios medos.

Medos que foram sendo substituídos. Foram assumindo novas caras. É o mesmo velho medo se reciclando, se re-significando. Me dei conta que meu maior medo já não é o lobisomem, como nos anos da minha infância, quando o uivo canino me fazia tremer debaixo da coberta, nas madrugadas que antecediam a sexta-feira santa.
Meu maior medo é semelhante ao de João e Maria é o medo de me perder, de não mais me encontrar. É o medo de me perder de mim mesmo. Tenho medo de um dia meu corpo e minha alma se divorciarem, numa contenda irreconciliável. Tenho medo que o meu corpo acostumado aos lugares de sempre, preocupado em me agradar, em obedecer as regras e satisfazer pessoas me faça habitar o mesmo lugar, a mesma tenda, a mesma casa, a mesma floresta. Morro de medo de me acostumar, de não me incomodar, de achar que já cresci tudo que tinha para crescer e ser tentado a pensar que encontrei um lugar largo o bastante onde posso regalar-me e descansar em paz. Morro de medo de me olhar no espelho e não me reconhecer, de sentir saudade de mim. Tenho medo de temer recomeçar. Morro de medo de ficar previsível, de só fazer o esperado, de não surpreender. Morro de medo de ser o mesmo homem entrando duas vezes no mesmo rio.
Mas também tenho medo da minha alma aventureira decidir embarcar numa aventura desvairada, de se apaixonar pelo exótico, pelo perigoso. Temo que ela se encante com o impossível, o inatingível, o inalcançável e ela perambule pela vida, tal qual o louco que perdeu o juízo por um amor impossível. Meu corpo estremece só de pensar.
Vivo como os meninos (João e Maria) temeroso pela noticia que acabaram de ouvir, de que serão deixados perdidos na floresta escura. Mas talvez o gosto/desgosto por este conto seja porque virá dele a senha que me fará me reencontrar, que lançará fora o medo, assim como João e Maria, caso um dia seja banido de mim mesmo. Talvez porque acredite que a minha alma subversiva, que se recusa a ser aprisionada, deixe ao longo da estrada as pedrinhas brancas, no caminho para a liberdade, onde a vida, dinâmica, teima em se reinventar. Talvez porque meu corpo esteja alerta por temer que a senha no caminho seja comida pelas aves e continue pra sempre perdido.
Mas gosto também porque embora apavorados pela notícia, pelo mal que se aproxima eles não se paralisam, não se queixam da vida, antes se põem em prontidão, agem. Se permitem a aventura, mesmo temendo. Entram na floresta escura, sem saber ao certo o que lhes espera, embora as perspectivas não sejam muito boas, esperando reverter a sorte. Gosto porque nela há espaço para o arrependimento de quem permite a maldade, porque nela existe a chance de recomeçar, de refazer, de volta a ser. Gosto porque apesar da mãe com coração de madrasta, tem um pai de coração maternal, o que me faz acreditar que apesar de toda maldade, até por parte das pessoas mais próximas, a bondade poderá vir de onde menos se espera. E na bondade os medos se vão, a morte cessa e a vida se refaz...