sábado, 11 de abril de 2020

Os dois lados da mesma moeda



Conspirar vem do latin e traz a ideia de respirar o mesmo ar, significando um ato da mais absoluta confiança. Para conspirar é precisar frequentar a mesma sala secreta, e guardar os mesmos códigos, segredos e planos. Quem conspira, confia a sua vida ao outro. Basta uma delação e a morte será certa. Neste sentido conspirar é sinônimo de confiança no seu estado mais puro e absoluto.
Também do latin vem a palavra traição. Trair é entregar algo que que lhe foi confiado e que pode prejudicar o outro. O irônico de duas palavras com significados tão distintos e opostos, é que em ambas a confiança é a base. Para que haja a traição é preciso haver anteriormente a confiança.
A traição é um ato/processo sórdido. É preciso lembrar de pessoas outrora amadas, de planos e sonhos com os quais também se sonhou com o desejo de se dar bem em detrimento do sofrimento dos outros. Para trair é preciso respirar outros ares, ir a outra sala secreta para delatar segredos, planos que ajudou a criar e o pior, pessoas que jurou amar, e via de regra, fazer a sua interpretação sem esquecer do ditado que diz que “quem conta um conto aumenta um ponto”, neste sentido todo traidor é mentiroso tanto na base como no topo. Traição é sórdida por ter como objetivo aplicar sempre a “lei do Gérson”. Enquanto conspirador usufrui, no caso da vitória da revolução, de lugar de destaque, e como traidor também usufrui, se a situação não mudar, com a manutenção do status quo e temos até lei privilegiando a "delação premiada", traidor recebendo benesses e status de herói.
Mas a traição também é reveladora, diferenciadora. O traidor, embora leve vantagem passageira, sempre terá que se enfrentar perante o espelho da vida ou terá que se esquecer de quem era, tornando-se um morto vivo. É diferenciadora por colocar cada qual no seu quadrado, por manifestar a diferença entre o digno e o indigno, não importando o espaço social que cada um ocupará após a traição. Jesus ao receber o indigno Judas, frequentador dos espaços de poder e aliado do poder que dantes queria derrubar, acena-lhe com o afeto mais puro e com palavras leais que o valorizam: “a que vens, amigo?” Enquanto Judas ao aproximar-se usa o beijo, arma de quem conspira, como senha da morte, como arma letal.
Conspirar e trair são os dois lados da mesma moeda: a confiança. Toda relação mais próxima sempre revelará qual dos lados prevalece na vida de alguém.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

É sexta-feira, meu Senhor está morto ...


É sexta-feira ... meu Senhor morreu!
Como bem disse Antonio Scurati sobre a nossa geração: “... a era do mais longo e distraído período de paz e prosperidade desfrutado na história da Humanidade”. Somos seres da era do analgésico, dos ansiolíticos e da morfina. Desaprendemos a lidar com a dor. Por isso, sempre que possível nos entorpecemos, dormimos e como que num passe de mágica, passamos ao momento seguinte, da alegria.
Quando agimos assim perdemos a chance de tirar as lições preciosas que só são possíveis de aprender nos desertos, nas fornalhas e nas cruzes. O sábio diz: “melhor é ir à casa onde há luto, do que ir à casa onde há riso ... pois o rosto triste torna melhor o coração”. Não, não há aqui nenhum resquício de masoquismo, de gostar do sofrimento. Mas a sabedoria lhe ensinou que certas lições só podem ser aprendidas mediante a dor, que quem sofre se torna mais humano, mais solidário, menos egoísta.
Nas manifestações da páscoa cristã, nas comunidades evangélicas o espírito deste tempo, entorpecido, fica bem evidente. Há uma fixação no domingo da ressurreição em detrimento da sexta-feira da crucificação. Parece haver um horror em contemplar o Senhor morto. Os apóstolos não tiveram outra alternativa a não ser contemplar, chorar a perda, sofrer a agonia, viver à beira do desespero por causa da triste notícia de que o Senhor da Vida estava cravado numa cruz, morto.
A nossa tradição precisa resgatar isso, precisamos também viver essa dor, chorar essa perda e lamentar essa morte. "Hoje é sexta-feira, o Senhor está morto. Se está morto não há esperança, tudo é dor, sofrimento e confusão. Tudo em que cri e pelo que vivi não faz sentido!, poderia dizer qualquer dos apóstolos. Mas quem matou o Senhor? Nós o matamos, disse o Pensador. Eu e você. Ele foi cravado ali por causa de mim e de você. Foi por amor, João declara: “Deus amou de tal maneira ... que entregou seu Filho”. É ali, na cruz ensanguentada que vejo um amor que não tem como ser medido. Ali, na cruz ensanguentada, com o Senhor morto, vejo a gravidade daquilo que chamo de equívoco, errinho, falta ou mesmo pecado. Amo meu Senhor cravado naquela cruz, é ali que percebo o quanto Ele me ama. É ali que vejo como é grave o pecado que tão de perto me rodeia. É ali que percebo o que o pecado faria comigo se não fosse o amor extraordinário de Deus por mim. Eu preciso ficar ao pé da cruz, eu preciso contemplar o meu Senhor agonizando e declarando o seu perdão por mim, por nós. É ali, na Cruz ensanguentada que posso ouvi-lo dizendo ao Pai que está completa a sua obra e que Ele agora entrega o seu espírito.
Preciso tomar o seu corpo e levar ao sepulcro. Necessito viver o sábado do silêncio ... da espera. Num tempo onde as pessoas não têm tempo, preciso viver a agonia da espera. Tempo de não ter nada além de uma promessa. Tempo em que os fatos se sobrepõem às “verdades”, onde a dor apaga toda e qualquer possibilidade de virada. É tudo isso que dará algum sentido ao que chamo de futuro, é a sexta-feira da morte e o sábado da espera que tornam a domingo da ressurreição tão extraordinário.
Sem a cruz ensanguentada, sem o Senhor morto e sem o enterro, o sepulcro vazio não significa nada. A alegria da ressurreição só faz sentido para quem viveu o desespero da morte.