sexta-feira, 10 de abril de 2020

É sexta-feira, meu Senhor está morto ...


É sexta-feira ... meu Senhor morreu!
Como bem disse Antonio Scurati sobre a nossa geração: “... a era do mais longo e distraído período de paz e prosperidade desfrutado na história da Humanidade”. Somos seres da era do analgésico, dos ansiolíticos e da morfina. Desaprendemos a lidar com a dor. Por isso, sempre que possível nos entorpecemos, dormimos e como que num passe de mágica, passamos ao momento seguinte, da alegria.
Quando agimos assim perdemos a chance de tirar as lições preciosas que só são possíveis de aprender nos desertos, nas fornalhas e nas cruzes. O sábio diz: “melhor é ir à casa onde há luto, do que ir à casa onde há riso ... pois o rosto triste torna melhor o coração”. Não, não há aqui nenhum resquício de masoquismo, de gostar do sofrimento. Mas a sabedoria lhe ensinou que certas lições só podem ser aprendidas mediante a dor, que quem sofre se torna mais humano, mais solidário, menos egoísta.
Nas manifestações da páscoa cristã, nas comunidades evangélicas o espírito deste tempo, entorpecido, fica bem evidente. Há uma fixação no domingo da ressurreição em detrimento da sexta-feira da crucificação. Parece haver um horror em contemplar o Senhor morto. Os apóstolos não tiveram outra alternativa a não ser contemplar, chorar a perda, sofrer a agonia, viver à beira do desespero por causa da triste notícia de que o Senhor da Vida estava cravado numa cruz, morto.
A nossa tradição precisa resgatar isso, precisamos também viver essa dor, chorar essa perda e lamentar essa morte. "Hoje é sexta-feira, o Senhor está morto. Se está morto não há esperança, tudo é dor, sofrimento e confusão. Tudo em que cri e pelo que vivi não faz sentido!, poderia dizer qualquer dos apóstolos. Mas quem matou o Senhor? Nós o matamos, disse o Pensador. Eu e você. Ele foi cravado ali por causa de mim e de você. Foi por amor, João declara: “Deus amou de tal maneira ... que entregou seu Filho”. É ali, na cruz ensanguentada que vejo um amor que não tem como ser medido. Ali, na cruz ensanguentada, com o Senhor morto, vejo a gravidade daquilo que chamo de equívoco, errinho, falta ou mesmo pecado. Amo meu Senhor cravado naquela cruz, é ali que percebo o quanto Ele me ama. É ali que vejo como é grave o pecado que tão de perto me rodeia. É ali que percebo o que o pecado faria comigo se não fosse o amor extraordinário de Deus por mim. Eu preciso ficar ao pé da cruz, eu preciso contemplar o meu Senhor agonizando e declarando o seu perdão por mim, por nós. É ali, na Cruz ensanguentada que posso ouvi-lo dizendo ao Pai que está completa a sua obra e que Ele agora entrega o seu espírito.
Preciso tomar o seu corpo e levar ao sepulcro. Necessito viver o sábado do silêncio ... da espera. Num tempo onde as pessoas não têm tempo, preciso viver a agonia da espera. Tempo de não ter nada além de uma promessa. Tempo em que os fatos se sobrepõem às “verdades”, onde a dor apaga toda e qualquer possibilidade de virada. É tudo isso que dará algum sentido ao que chamo de futuro, é a sexta-feira da morte e o sábado da espera que tornam a domingo da ressurreição tão extraordinário.
Sem a cruz ensanguentada, sem o Senhor morto e sem o enterro, o sepulcro vazio não significa nada. A alegria da ressurreição só faz sentido para quem viveu o desespero da morte.

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