LIÇÕES DA NOITE
Dentre as lições do dia está o saber aproveitar para se
alegrar (Salmo 30:5), para produzir (João 9:4). É o tempo da ação humana, sem
necessidades de grandes reflexões, é a vida despreocupada. Na linguagem do
sábio nele não há grandes lições existenciais (Eclesiastes 7:2), a própria
experiência é capaz de prover o necessário.
A noite, como metáfora da existência, nos ensina muito mais.
É a privação chegando aos seus limites mais extremos. As noites podem ser
mortais para os principiantes impacientes, afinal a primeira noite longe de
casa, do colo de pai e mãe gera insônias e aflições (Gênesis 28:11, 16-17).
Aqui me permito parafrasear o poeta e afirmar que a noite é coisa para profissionais.
Os neófitos só conseguem enxergar o breu, que lhes apresenta
os seus próprios medos mais profundos (Jó 3:25-26), os marujos de outros mares
sabem enxergar para além da própria escuridão e vêem em cada luzeiro noturno um
mundo e são milhares deles ali, acima das suas cabeças. Enxergar no breu, depois
que o sol se vai, milhares de sóis, de possibilidades só é apreendido por quem
está grávido de mundos, que como Sherazade vai escrevendo uma nova história a
cada noite, se recusando a morrer.
Para enxergar o cosmos como uma grande tela pintada por mil e
um Picassos é preciso ter perdido os medos e as ilusões e ser poeta/profeta,
que constrói o mundo com sua palavra e ações. Um viajante de muitas noites
aprendeu que a vida é cíclica onde os dias festivos são sucedidos por noites
assombrosas em que não é possível fazer nada, apenas se entregar, contemplar e
esperar. Esse viajante deixou escrito nalguma pedra, como referência para os
próximos caminhantes: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria festiva vem ao
amanhecer” (Salmo 30:5).
As noites não são pra sempre, como os desertos elas são
escolas do espírito. A noite mata algumas ilusões, dentre elas, a de que os
dias e a alegria duram pra sempre, ininterruptamente. O luto por estas ilusões
que se foram deve ser vivido intensamente, mas não longamente. Quem alonga o
luto prolonga a noite, a dor vira melancolia e a noite tende a pairar mais
tempo que o necessário sobre as próprias cabeças e na alma. Tivesse Noé sido
deixado lambendo as próprias feridas e o mundo não se estenderia para além da própria
nau. A terapia vem quando o Criador lhe chama: “Sai da arca”, ou da cama e vem
viver a vida, já é dia, planta a vinha e se alegra (Gênesis 8:16). Tivesse
Elias sido reprovado no teste da noite da alma e teria sido sepultado numa
caverna escura, mas Deus o trata questionando as razões de fazer aquela noite
durar tanto, lhe designando que voltasse a vida, que saísse daquele quarto
escuro e que deixasse o sol brilhar sobre a sua cabeça novamente (I Reis
19:13-15).
Encerro com uma lição de um outro peregrino de uma noite
escura: “mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei.
Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. ESPERA QUE O SOL JÁ VEM”.
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