terça-feira, 4 de agosto de 2020

Lições da Noite


a noite estrelada
LIÇÕES DA NOITE

Dentre as lições do dia está o saber aproveitar para se alegrar (Salmo 30:5), para produzir (João 9:4). É o tempo da ação humana, sem necessidades de grandes reflexões, é a vida despreocupada. Na linguagem do sábio nele não há grandes lições existenciais (Eclesiastes 7:2), a própria experiência é capaz de prover o necessário.
A noite, como metáfora da existência, nos ensina muito mais. É a privação chegando aos seus limites mais extremos. As noites podem ser mortais para os principiantes impacientes, afinal a primeira noite longe de casa, do colo de pai e mãe gera insônias e aflições (Gênesis 28:11, 16-17). Aqui me permito parafrasear o poeta e afirmar que a noite é coisa para profissionais.
Os neófitos só conseguem enxergar o breu, que lhes apresenta os seus próprios medos mais profundos (Jó 3:25-26), os marujos de outros mares sabem enxergar para além da própria escuridão e vêem em cada luzeiro noturno um mundo e são milhares deles ali, acima das suas cabeças. Enxergar no breu, depois que o sol se vai, milhares de sóis, de possibilidades só é apreendido por quem está grávido de mundos, que como Sherazade vai escrevendo uma nova história a cada noite, se recusando a morrer.
Para enxergar o cosmos como uma grande tela pintada por mil e um Picassos é preciso ter perdido os medos e as ilusões e ser poeta/profeta, que constrói o mundo com sua palavra e ações. Um viajante de muitas noites aprendeu que a vida é cíclica onde os dias festivos são sucedidos por noites assombrosas em que não é possível fazer nada, apenas se entregar, contemplar e esperar. Esse viajante deixou escrito nalguma pedra, como referência para os próximos caminhantes: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria festiva vem ao amanhecer” (Salmo 30:5).
As noites não são pra sempre, como os desertos elas são escolas do espírito. A noite mata algumas ilusões, dentre elas, a de que os dias e a alegria duram pra sempre, ininterruptamente. O luto por estas ilusões que se foram deve ser vivido intensamente, mas não longamente. Quem alonga o luto prolonga a noite, a dor vira melancolia e a noite tende a pairar mais tempo que o necessário sobre as próprias cabeças e na alma. Tivesse Noé sido deixado lambendo as próprias feridas e o mundo não se estenderia para além da própria nau. A terapia vem quando o Criador lhe chama: “Sai da arca”, ou da cama e vem viver a vida, já é dia, planta a vinha e se alegra (Gênesis 8:16). Tivesse Elias sido reprovado no teste da noite da alma e teria sido sepultado numa caverna escura, mas Deus o trata questionando as razões de fazer aquela noite durar tanto, lhe designando que voltasse a vida, que saísse daquele quarto escuro e que deixasse o sol brilhar sobre a sua cabeça novamente (I Reis 19:13-15).
Encerro com uma lição de um outro peregrino de uma noite escura: “mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei. Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. ESPERA QUE O SOL JÁ VEM”.

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