Empregados da Casa do PaiSei que a pretensão de Jesus não era falar desses personagens, que havia na verdade uma lição muito objetiva na parábola, mas não posso deixar de enxergar as semelhanças entre os personagens da parábola e o meu próprio mundo com seus personagens. Na relação com o Eterno também há um outro grupo de pessoas que entende a relação espiritual como uma relação de barganha, de “toma-lá-dá-cá”. Pessoas que nem questionam a existência de um Ser Espiritual Superior que rege a vida com justiça e bondade. Pessoas que tem até algum contato com aquilo que denominamos ‘mundo espiritual’. Pessoas que gostam do Pai, que amam estar na sua casa, gente que até está na casa do Pai, mas não pertence a ela. Pessoas que fazem da relação espiritual com o Eterno uma relação utilitarista, de ter o Eterno como um amuleto, um gênio da lâmpada que serve para suprir, proteger, mas sem uma relação mais próxima que isso. Na parábola essas pessoas são “Empregados da Casa do Pai” gente que sabe do amor, da misericórdia do Pai, mas não se permitiu ser adotado, gente que come da casa e na casa, mas não pertence a ela, gente que até celebra quando os filhos voltam, mesmo sem entenderem o real significado disso, gente que se satisfaz em ter comida (problemas resolvidos, por meio das orações dos outros) ... É temente, mas não conhece o carinho e a intimidade de estar nos braços do Pai. Há pessoas que estão satisfeitas por estarem tão perto de Deus, por serem tementes a Deus, por não fazerem mal à ninguém, por terem alguém próximo que já foi adotado pelo Pai, mas não sabem o que é ser verdadeiramente filho de Deus, não tem uma promessa de filho, não desfrutam dos privilégios de filhos ...
Na Casa do Pai há o mundo dos filhos e o mundo dos empregados. Mas ultimamente há confusão, filhos que pediram sua parte da herança mas não partiram, ficaram como empregados – aliás este foi o desejo do filho mais novo quando se viu diante da tragédia da sua vida, voltar e viver a vida utilitarista, de ter o suprimento, de estar perto do Pai mas sem a intimidade, sem os compromissos e privilégios de filho. Quantas vezes sou assim, quantas vezes sou tentado fazer de Deus apenas o abençoador, quantas vezes me aproximei de Deus com a idéia de ter minhas necessidades satisfeitas? Além da minha espiritualidade pessoal olho para as religiões e em especial para o evangelicalismo brasileiro e tenho a impressão que a cada dia o que cresce não é a comunidade de filhos, mas de empregados. Há um crescimento evangélico no Brasil inquestionável, mas receio que o que tem crescido na verdade é o numero de pessoas que estão na casa, se alimentam dela, mas que a ela não pertencem ...
O FILHO MAIS VELHO
Este é um tipo intrigante e muito triste. É o tipo de pessoa que já se esqueceu da graça de ‘servir’ ao Pai, gente que pertence a Casa e que a Casa lhe pertence mas vive com medo, como empregado. Gente que não entendeu o prazer de viver na casa do Pai e vive desejando comer as bolotas, mas sem coragem de pedir. Gente que tem um Pai que é todo coração, mas vive como se servisse a um patrão miserável. Tudo isso afeta profundamente a alma e por isso este personagem olha sempre para os que caíram com desconfiança, com desprezo e com grande dose de julgamento, simplesmente não pode admitir que alguém tenha tido a coragem de fazer o que ele por medo não faz e ainda tenha a coragem de voltar para pedir perdão. Jamais aceitará o retorno como algo bom e pra valer, é daquele tipo que diz: “ele ainda não me convenceu, até torço pra que seja verdade, mas não sei não”. Ou, “será? Será que ele já está pronto pra ter o anel de volta? Acho muito prematuro”. Quando há alegria pela volta do ex-perdido vaticina: “Não sei pra que este estardalhaço todo, e se amanhã cair de novo, porque o porco sempre volta ao lamaçal”.
Sente-se guardião do tesouro do Pai. Imagina simplesmente que o Pai não pode realmente perdoar o que lhe foi feito – está pronto a apresentar as razões porque o Pai não deve perdoar e nem mesmo confiar no arrependido.
Mas este mal também o afeta. É alguém impiedoso consigo mesmo, alguém que abdicou dos prazeres da vida, até dos mais lícitos, por medo de não ser direito seu: “nunca me deste um só cabrito para festejar”. Serve ao Pai não com base no amor que liberta, mas na lei que escraviza. Alguém que tem tudo pra ser feliz, que deveria ter mais prazer na casa do Pai do que o irmão desfrutou nas terras distantes, mas na verdade anseia também por pequenos deleites sem “poder” desfrutá-lo. Pior que comer lixo na terra distante é viver de migalha na casa do Pai. Por onde passo tenho achado tantos irmãos mais velhos. Tenho visto tantos filhos impiedosos, intolerantes, ensimesmados, tanta gente mais real que o REI. Tantos que machucam ou simplesmente não recebem o regresso. Filhos que aproveitando-se de estarem com a chave do portão fecharam todas as possibilidades de retorno. É uma pena, mas não tenho assistido as festas de retorno, nem cabritos assando, nem alegria pela volta. Tenho visto tantas condições pra voltar que faz com que os mais novos ao pensarem no preço a pagar pelo retorno preferem continuar sendo explorados e comendo a comida dos porcos na terra distante ...