segunda-feira, 22 de março de 2010

MINHA MORTE

Confesso que morrer não está nos meus planos, embora saiba que é impossível evitar o encontro com a senhora vestida de cetim. Fiz um acordo com ela: não falo mal dela e ela só virá me buscar quando eu cansar de viver, quando o corpo não acompanhar mais a mente ou quando a mente também tenha se desgastado e perder a sua função. A idéia de morrer me assombra. Não que tenha medo do que há de vir, mas é resistência em deixar coisas e pessoas que tenho por preciosas e não gostaria de me separar, mesmo que as promessas acerca do lado de lá me façam acreditar que lá é muito melhor. Certamente é melhor, mas prefiro pessoas a lugares, o céu será ter as pessoas que amo bem pertinho de mim, portanto enquanto puder preservá-las ao meu lado, prefiro não ir. Aqui recorro ao teólogo Mario Quintana: “Morrer: Que me importa? O diabo é deixar de viver”.
Embora esteja seguro acerca do tempo da minha morte e do que me espera do outro lado da jornada, duas outras preocupações me inquietam. Na minha ingenuidade juvenil não as inclui na negociação com a senhora da foice. A primeira é o momento. Será que terei tempo de concluir as tarefas planejadas? Será que terei tempo de fazer o elogio à pessoa querida? Será que irá me esperar perdoar ou ser perdoado? Terei tempo para a última dança? Terei tempo de ver e de me despedir das pessoas amadas? Terminarei de ler aquele livro? A segunda, e não menos importante, é a forma da minha morte. Como diz o Pedro Bial: morrer é ridículo. Na linguagem do poeta a forma da minha morte é “uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida”. Não sei o que seria pior: uma morte súbita ou uma morte anunciada, de sofrimento prolongado. Um acidente com sua fatalidade instantanea ou uma enfermidade cronica e mui dolorosa. O fato é que morrer seja por deixar de viver, seja pelo momento ou pela forma, não está nos meus planos. Gostaria que colocassem num memorial dedicado à minha existência: morreu à contragosto.
Mas pra que não termine de forma melancólica esta minha fala devo dizer que a morte é o alívio necessário quando viver é só sofrimento, quando não há mais o que, nem porque se aprender algo novo. Há um momento na vida em que morrer não é tão ruim. aliás ousaria dizer com Gilberto Gil: “Se a morte faz parte da vida / E se vale a pena viver / Então morrer vale a pena / Se a gente teve o tempo para crescer / Crescer para viver de fato / ato de amar e sofrer / Se a gente teve esse tempo / Então vale a pena morrer / Quem acordou no dia / Adormeceu na noite / Sorriu cada alegria sua / Quem andou pela rua / Atravessou a ponte / Pediu bênção à dindinha lua / Não teme a sua sorte / Abraça a sua morte / Como a uma linda ninfa nua”.
Até lá, me recuso a morrer, aliás este assunto nem está nos meus planos pelos próximos 61 anos. Portanto a mim me resta viver tudo quanto há pra viver, me permitir não perder tempo com coisas pequenas e amar muito ...

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