Foi lançada uma série documental que promete revelar a máquina
de moer reputações e quem são seus operadores. Na era da pós-verdade é
fundamental que sejam denunciados os maquinadores e financiadores desses entes
diabólicos. Aproveitando a ocasião quero surfar no tema e dizer que essa
indústria é mais antiga do que se pensa. Tem sido uma tendência colocar o nome
das leis que combatem crimes a partir de casos e vítimas emblemáticas, venho
sugerir que se faça um reconhecimento de Maria Madalena como a patronesse ou
padroeira de todos os que tiveram as suas reputações moídas. Justifico,
afirmando que nenhuma outra personagem teve a sua reputação manchada por tanto
tempo como esta nobre senhora.
Já passaram mais de mil e quinhentos anos a calúnia do suposto
adultério de Madalena. Sabedores da sua liderança no corpo apostólico e com
receio que isso inspirasse outras a invadir o espaço reservado aos homens na
hierarquia da igreja, era fundamental manchar a sua honra e a sua história. Assim
nasce, séculos depois da sua morte, a má-fama de adúltera. Qual a base
documental ou testemunhal de tal fato? Uma meia-verdade, distorcida e pronto a
máquina de moer reputações estava operando. Assim Madalena virou sinônimo de
adúltera. Havia uma mulher apanhada supostamente em ato de adultério e perdoada
por Jesus e havia uma seguidora chamada Madalena, pronto era só sobrepor as
histórias e de uma meia verdade se faz uma mentira completa. Séculos de
acusação e ninguém parecia se importar em investigar a verdade, que estava bem
ali nas páginas dos evangelhos.
Só quem morreu na fogueira sabe o que é ser carvão e assim é inegável
que esta vítima e sua história milenar pode servir como símbolo de combate as
milícias que destroem reputações que são construídas por toda uma vida. Tendo
reconhecida a nossa patronesse, quero destacar que a máquina só funciona porque
além dos seus operadores e financiadores, há os consumidores. Muita gente
mansa, caridosa e com reputação acima de qualquer suspeita, em nome dos seus
valores age como consumidor de reputações moídas, que são servidas na mesa de
jantar diariamente.
Na sociedade das subcelebridades parece que as únicas reputações
que interessam são aquelas expostas na mídia. Mas há máquinas portáteis tão
destruidoras de reputações quanto aquelas do escritório do crime, com a
diferença de que seu alcance atinge o microcosmos em que habitam suas vítimas. Quantos
cancelamentos inexplicáveis, quantas amizades rompidas, quantas portas
fechadas, e tudo por causa dessas máquinas portáteis, mas devastadoras de
vidas. Confrontar seus construtores, operadores e patrocinadores é
importantíssimo, mas é preciso dizer que os consumidores são tão responsáveis
quanto e que este produto só faz sucesso porque há um público ávido por consumi-lo.