sábado, 5 de janeiro de 2008

C0NTO DOS MEUS QUARENTA ANOS

Hoje acordei com uma sensação estranha, algo mudou em mim. De agora em diante todas as vezes que perguntarem quantos anos já vivi terei que responder algo terminado em ENTA, agora há uma uniformidade até completar um século, então serei ENTO. Tenho medo das uniformidades, sou avesso a elas. Terei que achar tudo que é jovem enjoativo, acho que não estou preparado pra ser um ENTA. Agora terei que amadurecer, o diabo é que depois do amadurecimento vem o que? Se não me engano no mundo vegetal quando algo passa do amadurecimento entra no “PASSADO” e depois no APODRECIMENTO, acho que não estou preparado pra isso também não. Mas os meus amigos me consolam dizendo que a vida começa aos quarenta e eu cético pergunto, será? Se a vida começa aos quarenta, então o que foi que experimentei até agora? Pergunto isso porque às vezes me sinto como Casemiro de Abreu: “Ai que saudade da aurora da minha vida ...”, mas pra citar Casemiro de Abreu tem que ser ENTA, pra isso eu estou preparado. Pergunto isso porque quando vejo os ENTA que já vivi e vejo tantas histórias, tantas lágrimas derramadas e tantos risos que dei, não posso acreditar que a vida ainda não começou. Dos ENTA que já vivi 14 dediquei a Itinga da Serra e as pessoas amadas que lá deixei. Lembro do meu chão, do meu torrão, da gente simples, do pé de acácia, das laranjas roubadas, da primeira namorada, das quermesses. Lembro de amigos (daqueles que juramos que serão nossos amigos para sempre e que já nos esquecemos), a primeira professora Lindaura, dos vidros quebrados da igreja matriz, das pescarias com meu pai (como tenho saudade do seu olhar e do seu coração materno), do peixe assado na beira do rio, do beiju comido no meio da feira, do fogão de lenha da minha vó (Dindinha, Dona Maria do Nelson – que mulher de fibra), do pé de goiaba, do pão quente no fim da tarde na venda do Zé de Martins e da comida saborosa de Dona Eliete, uma guerreira ousada – sabores inesquecíveis que tem o gosto da saudade. O último natal passado na Grande Família, parecia me despedir, inesquecível. Dos meus ENTA, 3 dediquei a me reencontrar na cidade grande. Aqui perdi a minha identidade, virei Sergipano, eu era simplesmente o Sergipe, muito embora nunca, jamais tivesse pisado os meus pés em qualquer lugar que não fosse a Bahia, mas a minha fala, diziam os soteropolitanos que eu não falava, cantava. Como as pessoas podem ser tão cruéis. A minha timidez me fez afundar, quase desapareci. Antes eu tinha nome, sobrenome, tinha pai, mãe e família grande, agora eu era simplesmente o Sergipano, odiei esta cidade e por três anos vivi um sonho, voltar. Eu que vim pra grande cidade pra sobreviver. Como tantos outros vim como um retirante, sem eira nem beira, “um rapaz latino-americano, sem parentes importantes e vindo do interior”, mas que nutria um sentimento, um desejo: voltar. Não deu pra cumprir o prometido. Como chorei, como sofri, vivi a minha grande tribulação por longos três anos e meio. Fui me acostumando e vivi dois anos mortos, deles quase não tenho lembrança e nenhuma saudade, senão de uma ou duas situações.
Então fui ao seminário. Ah! Seminário. O Velho Navio Negreiro, poucas pessoas no mundo saberão o que significa o Velho Navio Negreiro. Só os membros da confraria. Quatro anos, dez por cento dos ENTA, passei no seminário, nunca tinha me dado conta disso, mas valeu a pena. Quanta saudade da Colina, dos banhos, das crises, das peladas, da biblioteca, das noites insones estudando para o GQ – eu até já esqueci o que significa GQ, mas era terrível quando chegava a véspera do GQ. Banhos de piscina escondido no Colégio Batista, as bombas nos corredores, a irresponsabilidade, o compromisso de construir uma história, de manter uma tradição quebrando o tradicionalismo. Lá aprendi a pensar, a discordar amavelmente. Tantos professores dentro e fora da sala de aula. Gente que se foi antes do combinado, outros se perderam no caminho, outros tantos permanecem aí lutando pra manter vivo o sonho de uma sociedade mais justa e mais humana. Lá vivi amores e decepções, chorei e fiz alguém chorar, briguei, bati, vivi.
Dá pra perceber como acordei estranho hoje? É como se tivesse que me reconciliar pra recomeçar. Tivesse que encontrar tempo pra me reencontrar. Os meus muitos “eus” – tenho medo de dizer isso perto dos religiosos, podem identificar isso como “legião” e podem querer me exorcizar, mas eu gosto de todos eles e se umzinho só for mandado embora, não serei mais o mesmo – mas como dizia, preciso me reencontrar com todos os meus “eus” para que possamos prosseguir na segunda parte dessa jornada. Que alguns dizem que ainda não começou e daí surgiu esse meu questionamento que não me permite avançar até tê-lo completamente resolvido. Se ainda não começou como explicar os meus 14 anos na CORDEIRO, como escrever a história da minha vida sem incluir pessoas, rostos, histórias, dores, alegrias, nascimentos e mortes experimentados e vivenciados ao logo dos últimos 14 anos. Neste tempo me casei, perdi meus pais, que agora estão encantados (Guimarães Rosa), recebi minha filha, um presente de valor inestimado, eu a olho sempre com o olhar de quem se despede. Não sei quanto tempo teremos um ao outro.
Se é verdade que ainda não comecei a viver o que dizer dessas cicatrizes, cada uma com sua história, com sua dor, sua derrota, sua vitória e seu riso? Se não comecei a viver como explicar tanta saudade, tanto desejo de reencontro, tantos momentos eternizados na minha memória?



Escrito em 11 de agosto de 2006

3 comentários:

Perola disse...

O mais apaixonante nesse blogger é o sucesso do autor,pois encontrou uma forma de transformá-lo num lugar gracioso.
Parabéns amigo, pois além de conhecer o caminho do repouso, sabe como ninguém envolver-nos com uma enorme graça.

Parabéns (Admiração com carinho)
Bjim amigo!

Ritita

Capelão Fernandes disse...

Caro amigo Pr. Roberto Amorim, fiquei feliz ao acessar o seu blog e constatar sua veia literária a serviço do Reino. Um texto limpo, leve e extremamente relevante. Essas linhas não podem ficar restritas ao ambiente virtual. Dever ganhar a forma de livro a fim de democratizar o "caminho de graça" (embora o preço de livro não seja tão democrático assim) rsrsrs
Paz e bênçãos!

Perola disse...

Conta que eu conto!
Mas o autor soube transformar a sua historia dos entas no mais fantástico mundo do Beto carreira show.
Corre com paz!
Sapuca de lá! E eu a sapeca daqui.
Só quero fazer vc rir e se apoixonar por esse meu conto.
É pq tem gente que nem eu, que ainda não convive com os entas da vida.
Mas sabe admirar o amigo que ensina viver um enta bem feliz!!

Valeuzzzzzz
Bjioooouuuuai